quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Os primeiros amiguinhos


Por Carolina Mouta
Matéria para o blog O Baú da Criança
Imagem Dreamstime


Você observa o seu filhote brincando e se assusta quando uma criança chega perto e se inclui na brincadeira. O motivo? Seu pequeno nem sequer olhou para ela. Ignorou completamente. Segundo os especialistas isso é perfeitamente normal até os três anos, quando o interesse está mais voltado para os brinquedos do que para uma companhia. É a chamada brincadeira solitária. E ela acontece até nos ambientes onde há muitas crianças como creches e pracinhas. Mas logo, logo essa fase dá lugar à outra, bem mais gostosa: a descoberta dos primeiros amiguinhos.

Nos primeiros anos de vida não existe troca, colaboração e uma criança não presta atenção na outra, nem se estiverem com o mesmo tipo de brinquedo e fazendo as mesmas coisas. "Ela está focada em seu próprio mundinho. Chamamos de egocentrismo, ou seja, corrente de ideias que se baseia no próprio eu", considera a psicóloga Gabriela Cosendey. De acordo com a psicopedagoga Dulce Consuelo, a criança prefere brincar sozinha por uma questão psicológica e biológica. A transição acontece aos poucos: "Primeiro a mãe - ou a figura que desempenha o papel da maternagem - começa a ser percebida pela criança, depois vem o pai, irmãos, parentes, primos, os coleguinhas da escola, do clube, da igreja", explica.

Gabriela esclarece que o processo de brincar – mesmo sozinha - nessa fase da vida é enriquecedor e já estimula o desenvolvimento do processo de aprendizagem e a aproximação. "Os brinquedos acabam atraindo significativamente a atenção da criança, por despertarem a sua curiosidade. Mas, apesar de não haver ainda uma interação maior entre as crianças dessa idade, já ocorre a convivência entre elas", afirma a especialista.

Assim, de pouco em pouco, a criança vai entendendo o que é ser amigo e o que é ter amigo, e fazendo sua própria seleção. Mas, nem sempre ela escolhe uma criança com o seu perfil. "O que vai determinar as escolhas das companhias será o interesse comum, que pode estar em torno de um brinquedo que chame a atenção delas", exemplifica a psicóloga.

Segundo Dulce Consuelo, quanto mais novos, menor é o preconceito. "Não existe, até os cinco anos, uma preferência de idade ou sexo. São amigos de todos. Inclusive, podem ser amigos de adultos. O preconceito começa a se instalar mais tarde. Quando a criança cresce um pouquinho, com seis ou sete anos, testemunhamos o Clube do Bolinha e o Clube da Luluzinha, meninos com meninos e meninas com meninas. Quando chega a adolescência a integração entre os sexos ocorre novamente, porém com motivos de maior investigação e profundidade pelo outro".

Benefícios para o futuro

A socialização precoce faz parte da vida e, sem dúvidas, é importante para o futuro. "A partir dos três anos, a criança já começa a ter um maior senso de pertencimento, seja a um grupo, seja a uma situação ou atividade. A brincadeira já é mais interativa, as trocas passam a ocorrer com maior frequência. Ela já sabe que pertence a uma família, que faz parte de uma escola, e isso já mostra uma ampliação no seu mundo - interno e externo”, diz Gabriela.

A psicopedagoga Dulce Consuelo salienta que é fundamental estimular o valor e a importância da amizade desde cedo. "A criança aprende que não está só no mundo, que é necessário compartilhar, pensar no próximo. Mais para frente teremos um adulto de bem com a vida, que tem uma família, um trabalho e amigos, pois sabemos, inclusive, que atualmente ter muitos amigos, colegas e conhecidos favorece a recolocação profissional", pontua.

A convivência com outras crianças fará o pequeno perceber e respeitar as diferenças sociais, morais e culturais. "Uma das formas de estimular é facilitar o convívio com os coleguinhas e com os professores também, em atividade extraclasse”, sugere Gabriela. As reuniõezinhas são ótimas para isso. "O convívio pode ser estimulado participando das festas dos parentes, dos coleguinhas da escola, do prédio, do clube, da igreja", sugere Dulce.

E porque não propiciar aos amiguinhos do seu filho uma tarde gostosa na sua casa? E nada de videogame. Prepare papéis, lápis de cor, canetinha, cola e recortes de revista e deixe-os soltar a imaginação. Assim poderão compartilhar mais do que objetos: irão dividir a diversão!

Fazer amigos é uma arte

Segundo a psicopedagoga Dulce Consuelo, nem sempre fazer amigos é fácil. "Se tivermos o movimento instalado de buscar conhecer o outro desde pequeno, fazer amigos é uma tarefa natural. Mas, se os pais estimularem pouco, por serem tímidos, recatados, podem reproduzir filhos com o mesmo perfil. Dessa forma eles podem ter dificuldades de fazer amigos e isso se refletir na fase adulta", orienta. Pais que têm poucos amigos podem contribuir para que o filho tenha poucos amigos também. A ação tem um poder de retenção no outro muito grande, conforme explica Dulce. “Se vemos sempre a mesma circunstância ou situação, podemos reproduzir a atitude”, diz.

Por isso, a dinâmica familiar é fundamental para que as coisas fluam. "Esse é um fator de peso sobre a capacidade de estabelecer e manter relacionamentos com outras pessoas. A identificação primária do indivíduo é com seus pais - ou figuras parentais", pontua Gabriela. A influência da família é tão poderosa que, em alguns casos pode até "definir o jogo", ou seja, determinar uma situação, conforme explica Dulce Consuelo. "Em algumas tradições culturais, como a China, para alguém ser amigo dos filhos é preciso ser aprovado pelos pais, são eles que validarão se tal jovem é digno da amizade dos seus filhos", esclarece.


De mal ou de bem

Interessante perceber como as crianças mudam rapidamente de estado de humor. Uma hora estão de mal do amiguinho e, no minuto seguinte, brincam juntos novamente. As alterações de humor são normais entre amigos, principalmente entre a gente mais miúda, que tem até cinco anos. Ficar de mal faz parte. "A criança ainda está se constituindo enquanto indivíduo e por essa razão apresenta maior labilidade no humor", pondera Gabriela.

Ficar de mal faz parte, mas os pais devem estar de olho e orientar os pequenos para que tudo se resolva rapidamente. "Cabe aos pais explicar aos seus pimpolhos que não é preciso ficar de mal com o amiguinho para sempre, que na vida nem sempre podemos ter tudo. É fundamental explicar que é importante dividir o brinquedo, que assim a brincadeira fica mais legal, que existem muitas coisas bacanas que se pode fazer juntos, e que é muito melhor descobrir coisas incríveis com os amigos do que descobrir sozinho", diz Dulce.

Orientadas, as próprias crianças devem resolver as suas diferenças. Elas podem lidar sozinhas com essa questão. Os pais só devem interferir se a história se tornar grave, quando puder causar um dano físico real ou quando houver risco de se machucarem sério.

De mal ou de bem, a verdade é que as crianças realmente precisam de amigos, pois, de acordo com Gabriela Cosendey, as amizades possibilitam trocas entre iguais, identificações. "A criança aprender a dividir, a esperar, a compartilhar. Tudo isso favorece o processo de desenvolvimento e maturação do indivíduo", avisa Gabriela. Dulce vai além. "Todos nós precisamos de amigos é inerente ao ser humano. Precisamos estar conectados uns aos outros", ressalta.

Amigos sempre

Mesmo uma criança que não é filha única precisa de amiguinhos. A forma como brincam é diferente quando muda a outra parte. Se com os irmãos ela quer ser a filha, com os amiguinhos assume a função de mamãe. Assim, vai aprendendo outras formas de brincar e aumentando suas possibilidades.

O brincar faz parte do mundo real e é nele que as trocas acontecem. No entanto, as crianças sempre arrumam um espacinho para o amigo imaginário. Até aí, tudo bem. Mas nem pense em relaxar só porque o seu filhote arrumou essa "amizade". Ela faz parte da fantasia da criança, mas não pode substituir amigos reais. "O amigo imaginário é algo muito comum de ser ver. É como se ele preenchesse um vazio, uma determinada falta em algum momento significativo para a criança. No entanto, os amigos reais serão sempre necessários", orienta Gabriela.

Apesar das mudanças de interesses, primeiros amiguinhos podem selar uma relação para sempre. "Muitas amizades que se iniciam durante a infância se tornam amizades na vida adulta, afinal são pessoas que se constituíram enquanto pessoas juntas. Dependerá do desejo de ambos em continuar cultivando a relação. Enquanto houver identificação e prazer em estar juntos, nada os impede", finaliza a psicóloga.

As amizades por idades

Até os dois anos acontece o jogo paralelo. As crianças brincam ao lado de outras, mas de forma independente. A partir dos três anos o amigo é uma companhia. Os pequenos começam a escolher os coleguinhas através dos interesses. A brincadeira em dupla vai dando lugar aos pequenos grupos. Apesar da interação, muitas vezes o jogo continua sendo individual, pois as crianças ainda não têm senso de cooperação. Aos poucos vão aceitando a intervenção do outro e intervindo também.

Dos quatro aos seis anos as crianças já começam a se apegar a um amiguinho. No entanto uma separação - mudança de escola, de cidade - não é nada traumática. Até os oito anos já é possível surgir o "melhor amigo". Os laços mais estreitos fazem surgir também os conflitos. É normal. A partir desse ponto, a amizade vai ganhando uma importância fundamental para a vida da criança e a ajudará a criar a própria identidade. A percepção do conceito de amizade vai ficando cada vez mais clara e próxima da que o adulto tem. As crianças já sabem compartilhar, ouvir o outro, percebem que têm com quem contar em momentos bons e maus, compartilhando tristezas e alegrias.

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